"Nasci sem enxergar, em meio à treva densa,
Minha infância passei, e na escuridão cresci
Confortou-me, porém, inabalável crença,
E, com perseverança estudei e progredi.
Oh! Desígnio de Deus. Que ensinamento encerra
Eu, sempre caminhando em plena escuridão
Entre os que podem ver as coisas desta terra
Modestamente espalho as luzes da instrução."
Eu tive a honra de estudar com o Professor Cordelino em 1972 e 1973. Suas aulas de Português no Ginásio Almirante Barroso (São Pedro da Aldeia - RJ) eram inesquecíveis! Talvez seja esta a razão do gosto que tomei por meu idioma natal. Ainda posso lembrar da sua recomendação para ninguém mudar de lugar na sala. Assim, memorizava a posição de cada aluno e os chamava pelo nome.
Na rua, andava sem o auxílio da bengala, utensílio "quase" imprescindível para os cegos. Conhecia cada pedacinho da sua cidade e das cidades vizinhas - memória invejável!
Conhecia dinheiro pelo cheiro: "Cada nota tem um odor específico" - dizia.
Seu relógio possuía tampa no lugar do vidro. Verificava as horas pelo tato.
Torcedor fanático do Vasco da Gama, irritava-se quando os amigos faziam troça após as derrotas do time. Seu rosto logo ficava rubro, como pimentão maduro.
Diziam seus amigos que ele era muito namorador. Há várias histórias engraçadas sobre isso, mas fogem ao escopo desta singela reflexão.
Hoje lembrei dele por ser o "Dia do Professor". Obrigado, professor Cordelino, por tanta contribuição na minha vida! Homenageando-o, estendo meu agradecimento a todos os professores que contribuem para fazer dos seus alunos pessoas melhores! Parabéns a todos.
Segue sua biografia na lavra do meu amigo e grande historiador Geraldo Ferreira.
Cordelino nasceu em São Pedro da Aldeia, no dia 19 de abril de 1916. Era o sétimo filho de uma família de 11 irmãos e seus pais foram José Teixeira Paulo e Francisca Dias Pereira Teixeira.
Apesar de cego de nascença, Cordelino sempre acompanhou com muito interesse e curiosidade o processo de alfabetização de suas irmãs mais velhas que, atendendo as suas insistentes solicitações, realizaram o seu aprendizado nas letras e nos números. Os olhos de suas irmãs eram a sua janela para o mundo exterior e foi através deles que Cordelino se maravilhou com as obras de Casemiro de Abreu, Olavo Bilac, Castro Alves, Machado de Assis, e José de Alencar, entre outros livros, esses que exerceram uma grande influência na sua formação humanística. Outro fator que muito contribuiu para despertar o seu talento para as letras foi o intenso convívio com o seu padrinho, o poeta e escritor Agenor Evaristo dos Santos.
Graças a sua determinação em adquirir conhecimentos e á dedicação de suas irmãs, Cordelino pôde, na sua adolescência, iniciar o seu grande sonho de prestar os exames de admissão e ingressar no Instituto Benjamin Constant no Rio de Janeiro, instituição modelar no ensino de deficientes visuais. Foi aprovado em 1º lugar no concurso. Lá aprendeu o alfabeto Braille e com isso teve acesso àquilo por que mais ansiava: a oportunidade de penetrar no mundo do conhecimento e da cultura.
Após completar três anos de estudos no curso Ginasial, equivalente hoje ao ensino fundamental, 2º seguimento, e também em virtude das obras de reforma no estabelecimento de ensino, Cordelino teve de retornar a São Pedro. As suas relações com o instituto, entretanto, permaneceram por muito tempo, pois, recebia as publicações da imprensa Braille e, como se tivesse uma grande sede de saber, através delas prosseguiu no seu processo de educação e aprimoramento pessoal. Além disso, sempre ávido por conhecimento era um ouvindo diário das aulas da Universidade do Ar ministradas pela rádio Nacional.
Respeitado pelo seu conhecimento e por demonstrar um grande interesse em compartilhá-lo com os jovens da sua terra, Cordelino começou a receber em sua casa alunos particulares em aulas de reforço e, posteriormente, para prepará-los para o exame de admissão do ginásio. Consolidava-se, assim, a vocação para o magistério á qual se dedicou por toda uma vida. A este aspecto é digno de destaque que, embora adotando a sua profissão de professor como meio de vida, as suas aulas eram gratuitas para todos aqueles cuja situação econômica não permitiam o pagamento.
Em 1958, ao ser criado em São Pedro o ginásio da Campanha, hoje Colégio Cenecista Almirante Barroso, Cordelino foi um dos seus fundadores e designado para ministrar as aulas de Língua Portuguesa. Dada a sua versatilidade, nos casos de impedimento de professores, Cordelino era chamado para substituí-los nas disciplinas de Latim, Francês, História e Matemática. Outro papel de importância por ele desempenhado no Colégio era a sua participação nas bancas de seleção de novos professores.
Em 1960, aos 44 anos de idade fez o Curso de Suficiências, realizado através do CADES, em Nova Friburgo, e embora concorrendo com videntes, obteve o 1º lugar e foi registrado na cadeira de Português. Em 7 de julho de 1960 foi nomeado professor estadual contratado pelo governador Roberto Silveira, em portaria publicada no Diário Oficial, e designado para o Ginásio Estadual de Cabo Frio. É digno de destaque a seguinte ressalva constante da sua portaria de nomeação: "Autorizo embora se trate de portador de defeito físico. Envia-se cópia deste processo á Associação de Reabilitação. Esse professor é um exemplo de esforço e capacidade."
Durante o ano de 1960 lecionou em várias turmas do Ginásio de Cabo Frio e, a partor de 1961, passou a ministrar as aulas no Curso Normal de Cabo Frio onde trabalhou até a data de seu falecimento.
Em 16 de outubro de 1962 foi provido, em caráter efetivo, no cargo de Regente do Ensino Secundário, na disciplina Português, pelo governador José de Carvalho Janotti, que havia assumido o cargo em virtude do governador Celso Peçanha ter renunciado para poder candidatar-se ao cargo de senador.
Além de educador, Cordelino foi escritor e poeta, deixando-nos o livro "Os cegos e a sociedade", escrito em 1944, um caderno de poesias intitulado " Minha Escada de Luz", que não chegou a ser publicado, e diversos hinos sacros. É autor dos hinos do município de São Pedro da Aldeia e do Colégio Estadual Dr. Feliciano Sodré. Era também um grande orador que participava de todos os importantes eventos sociais e políticos da sua terra querida. Quando da criação da Academia Cabofriense de Letras, em 24 de julho de 1976, Cordelino foi convidado para dela participar e ocupou a cadeira número 2, cujo patrono é o seu padrinho, o poeta aldeense Agenor Evaristo dos Santos. Com esse ato seus colegas quiseram prestar-lhe uma dupla homenagem.
Como reconhecimento ao trabalho de uma vida em prol da educação o CIEP 146, o Centro de Estudos para Jovens e Adultos (CEJA) e a Biblioteca Municipal, todos situados em São Pedro da Aldeia receberam o seu nome. Em Cabo Frio, o ex prefeito José Bonifácio prestou-lhe também uma homenagem dando o seu nome á Biblioteca da Escola Municipal Edison Duarte, e o ex governador Chagas Freitas, atendendo o pedido de professores, deu o seu nome ao Colégio Estadual de Cabo Frio, situado na reserva do Peró. Como mais um reconhecimento aos serviços prestados á cidade de São Pedro, o prefeito Fausto Jotta designou de Rua Professor Cordelino Teixeira Paulo o logradouro urbano pelo qual passava o mestre nos seus deslocamentos diários.
Em uma das suas poesias Cordelino nos declara:
Nasci sem enxergar, em meio à treva densa,
Minha infância passei, e na escuridão cresci
Confortou-me, porém, inabalável crença,
E, com perseverança estudei e progredi.
Oh! Desígnio de Deus. Que ensinamento encerra
Eu, sempre caminhando em plena escuridão
Entre os que podem ver as coisas desta terra
Modestamente espalho as luzes da instrução.
Cordelino faleceu no dia 28 de julho de 1979, aos 63 anos de idade, depois de ter dedicado ao magistério toda uma vida e, por ironia do destino, embora tendo vivido uma existência nas trevas, como ele próprio acentuou nos seus versos, através de seu trabalho de alfabetização e de ensino proporcionou a luz do conhecimento a centenas de seus semelhantes, muitos dos quais se encontram aqui presentes para reverenciar a sua memória e agradecer os ensinamentos recebidos.
Por tudo que procuramos assinalar é com a maior justiça que hoje estamos aqui reunidos para render as nossas homenagens ao professor Cordelino Teixeira Paulo, aldeense ilustre que tanto honra a nossa terra, no transcurso do seu centenário de nascimento.
Muito Obrigado Professor Cordelino!
Por Geraldo Luiz Ferreira