Há sonhos bons e outros ruins. Todos deixam intuições preciosas para nosso cotidiano. Geralmente esquecemos do enredo no decorrer do dia, mas as lições são indeléveis e ficam registradas na memória.
Naquela noite fui dormir como de costume. Após algum tempo de sono profundo, vislumbrei um vulto descendo do céu sobre mim. Fiquei assustado! Eu aguçava a visão na tentativa de identificar quem estava se aproximando, mas meus olhos pareciam não me obedecer. Não era uma figura bem definida - os contornos estavam borrados. Já não tinha certeza de estar acordado ou ainda dormindo. Adormeci pensando no meu velho pai, que já não está entre nós, mas aquela figura mais parecia o Super-homem. Tentei então encontrar elementos que corroborassem minhas impressões, mas em vão. Não havia nenhuma capa esvoaçante, botas vermelhas, calça colante nem tampouco a letra “S” impressa no peito. Em lugar do topete sobre a testa, um velho chapéu de palha. Camisa riscadinha, calça de brim muito surrada e galochas compunham o vestuário daquela figura que descia em voo quase perpendicular ao local onde eu estava deitado imóvel, embora empreendesse esforço imenso para mexer os braços e balbuciar algumas palavras. Não era a minha cama. Mais parecia o chão da roça, recentemente arado. Já não sentia medo. Comecei a identificar naquele vulto muita semelhança com meu pai.
Por que a impressão inicial de que seria o herói dos quadrinhos que me acompanhou por toda a infância no interior? Ah, sim! A famosa cueca vermelha também fazia parte do traje. Meu pai, que se aproximava cada vez mais, apesar de estar vestido com sua costumeira roupa de trabalho, tinha uma cueca vermelha sobre a calça. Muito estranho, pois eu nunca o vira com essa peça do vestuário. Certamente esse detalhe foi o gatilho mental que me fez associar a imagem do meu pai com o Super-homem. Talvez pelo fato da minha estranheza no modo de vestir do personagem. Cueca sobre a calça não podia aceitar desde meus primeiros questionamentos. Seria falta de tempo? Minha avó sempre dizia que “a pressa era inimiga da perfeição”.
Antes do pouso, a imagem do meu velho foi esmaecendo até sumir…
Levantei de sobressalto. Já podia movimentar todos o membros e a sudorese umedecia meu rosto. Nada que a água gelada não pudesse restaurar. Ficou somente uma sensação boa, orquestrada pela lembrança do sonho e a saudade.
Feliz do pai que é herói e inspiração dos filhos!
Preciso, urgentemente, comprar uma cueca vermelha.
Paulo Jorge
9 de agosto de 2020
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